1 A concepção da Vigilância Socioassistencial
1.1 Definição e objetivos
A Norma Operacional Básica do SUAS aprovada em 2012 – NOB 2012 - em seu artigo 1º afirma a Vigilância Socioassistencial como uma função da política de assistência social, conjuntamente com a Proteção Social e a Defesa de Direitos. Essas três funções possuem fortes relações entre si, e em certo sentido, podemos afirmar que cada uma delas só se realiza em sua plenitude por meio da interação e complementariedade com as demais.
A NOB 2005 já apontava que a Vigilância Socioassistencial consiste no desenvolvimento de capacidades e meios técnicos para que os gestores e profissionais da Assistência Social possam conhecer a presença das formas de vulnerabilidade social da população e do território pelo qual são responsáveis, induzindo o planejamento de ações preventivas e contribuindo para o aprimoramento das ações que visem a restauração de direitos violados e a interrupção de situações de violência. Para tal, a Vigilância deve produzir e organizar dados, indicadores, informações e análises que contribuam para efetivação do caráter preventivo e proativo da política de assistência social, assim como para a redução dos agravos; e desta forma, fortalecendo a capacidade de Proteção Social e de Defesa de Direitos da política de assistência social.
De acordo com as determinações da NOB 2012 a Vigilância Socioassistencial deve estar estruturada e ativa em nível municipal, estadual e federal, contribuindo com as áreas de proteção social básica e de proteção social especial por meio da elaboração de estudos, planos e diagnósticos capazes de ampliar o conhecimento sobre a realidade dos territórios e as necessidades da população, e auxiliando no planejamento e organização das ações realizadas nesses territórios. Deve, ainda, contribuir com a própria Gestão – em sentido amplo – auxiliando a formulação, planejamento e execução de ações que induzam à adequação da oferta às necessidades da população. Para isso, faz-se necessário que também sejam produzidas e analisadas informações sobre o financiamento; sobre o tipo, volume, localização e qualidade das ofertas; bem como das condições de acesso aos serviços, benefícios, programas e projetos.
A Vigilância Socioassistencial deve apoiar atividades de planejamento, organização e execução de ações desenvolvidas pela gestão e pelos serviços, produzindo, sistematizando e analisando informações territorializadas: a) sobre as situações de vulnerabilidade e risco que incidem sobre famílias e indivíduos; b) sobre os padrões de oferta dos serviços e benefícios socioassistenciais, considerando questões afetas ao padrão de financiamento, ao tipo, volume, localização e qualidade das ofertas e das respectivas condições de acesso.
A Vigilância Socioassistencial objetiva detectar e compreender as situações de precarização e de agravamento das vulnerabilidades que afetam os territórios e os cidadãos, prejudicando e pondo em risco sua sobrevivência, dignidade, autonomia e socialização. Deve buscar conhecer a realidade específica das famílias e as condições concretas do lugar onde elas vivem e, para isso, é fundamental conjugar a utilização de dados e informações estatísticas e a criação de formas de apropriação dos conhecimentos produzidos pelos pelas equipes dos serviços socioassistenciais, que estabelecem a relação viva e cotidiana com os sujeitos nos territórios.
A identificação dos distintos graus de vulnerabilidade dos diferentes territórios no âmbito dos municípios, dos estados e do país é absolutamente fundamental para que possamos planejar e priorizar as ações voltadas aos territórios mais vulneráveis. Contudo, também se faz necessário desenvolver métodos e meios para identi ficar quais famílias se encontram em maior vulnerabilidade no interior de cada território. Se precisamos conhecer e reconhecer as diferenças e desigualdades que disti nguem os territórios, igualmente necessitamos conhecer as singularidades das famílias e, por consequência, reconhecer os disti ntos graus de vulnerabilidades das famílias que habitam um mesmo território. A identificação dessas famílias e a inclusão das mesmas nos serviços, programas, projetos ou benefícios do SUAS materializa grande parte dos objeti vos da Vigilância Socioassistencial, tornando real a contribuição dessa área para a efetivação da proteção social e dos direitos sociossistenciais.
1.2 Principais conceitos
Em sua dimensão teórico-conceitual, a concepção de Vigilância Socioassistencial instituída pela PNAS está ancorada em um conjunto integrado de conceitos e categorias que buscam instituir uma abordagem específica para a produção de conhecimentos aplicados ao planejamento e desenvolvimento da política de assistência social. Como apontado nos artigos 1º e 6º da Lei Orgânica de Assistência Social – LOAS – , a Vigilância evoca a apropriação e utilização de três conceitos-chave, a saber risco, vulnerabilidade e território, que interrelacionados propiciam um modelo para análise das relações entre as necessidades de proteção social no âmbito da assistência social, de um lado; e as respostas desta política em termos de oferta de serviços e benefícios à população, de outro.
O conceito de risco é utilizado em diversas áreas do conhecimento e tem aplicação distinta no âmbito de diversas políticas públicas, tais como, saúde, meio-ambiente, segurança etc. Via de regra, a operacionalização do conceito visa identificar a probabilidade ou a iminência de um evento acontecer e, conseqüentemente, está articulado com a disposição ou capacidade de antecipar-se para preveni-lo, ou de organizar-se para minorar seus efeitos, quando não é possível evitar sua ocorrência. Sendo assim, a aplicação do conceito de risco está necessariamente associada à pré-definição de um evento (ou de um certo conjunto de eventos), tendo em vista a peculiaridade de cada área. A adoção desta perspectiva não exclui, obviamente, a necessidade de compreensão das dimensões culturais ou subjetivas por meio da qual os indivíduos e a sociedade reconhecem, avaliam e valoram os riscos.
Para a Assistência Social, portanto, a operacionalização do conceito risco exige a definição do conjunto de eventos em relação aos quais lhe compete diretamente desenvolver esforços de prevenção ou de enfrentamento para redução de seus agravos. Em relação a tais eventos é necessário desenvolver estudos que permitam algum tipo de mensuração e monitoramento da sua incidência ou da probabilidade de sua ocorrência. Desta maneira, com base na PNAS é possível definir que, no âmbito de atuação da Assistência Social, constituem situações de riscos a incidência, ou a probabilidade de ocorrência, dos seguintes eventos que devem ser prevenidos ou enfrentados:
- situações de violência intrafamiliar; negligência; maus tratos; violência, abuso ou exploração sexual; trabalho infantil; discriminação por gênero, etnia ou qualquer outra condição ou identidade;
- situações que denotam a fragilização ou rompimento de vínculos familiares ou comunitários, tais como: vivência em situação de rua; afastamento de crianças e adolescentes do convívio familiar em decorrência de medidas protetivas; atos infracionais de adolescentes com consequente aplicação de medidas socioeducativas; privação do convívio familiar ou comunitário de idosos, crianças ou pessoas com deficiência em instituições de acolhimento; qualquer outra privação do convívio comunitário vivenciada por pessoas dependentes (crianças, idosos, pessoas com deficiência), ainda que residindo com a própria família.
O segundo conceito-chave para o arcabouço conceitual da Vigilância Socioassistencial é o de vulnerabilidade. Tal como o conceito de risco, o conceito de vulnerabilidade também é utilizado em diversas políticas públicas. Sendo assim, cabe refletir qual a especificidade de sua aplicação no âmbito da política de assistência social. Segundo a PNAS (2004) a vulnerabilidade se constitui em situações ou ainda em identidades que podem levar a exclusão social dos sujeitos. Estas situações se originam no processo de produção e reprodução de desigualdades sociais, nos processos discriminatórios, segregacionais engendrados nas construções sociohistóricas que privilegiam alguns pertencimentos em relação a outros.
A Assistência Social deve compreender o aspecto multidimensional presente no conceito de vulnerabilidade social, não restringindo esta à percepção de pobreza, tida como posse de recursos financeiros, embora a insuficiência de renda seja obviamente um importante fator de vulnerabilidade. É necessário que a vulnerabilidade seja entendida como uma conjugação de fatores, envolvendo, via de regra, características do território, fragilidades ou carências das famílias, grupos ou indivíduos e deficiências da oferta e do acesso a políticas públicas. A análise das vulnerabilidades deve considerar, de um lado, a estrutura de oportunidades da sociedade e o grau de exposição dos sujeitos individuais ou coletivos aos riscos sociais em sentido amplo, e de outro, os “ativos” materiais, educacionais, simbólicos e relacionais, dentre outros, que afetam a capacidade de resposta dos grupos, famílias e indivíduos às situações adversas (Bronzo, 2009).
Para delimitar e dar especificidade à utilização do conceito de vulnerabilidade no âmbito da política de assistência social faz-se necessário ter clareza das responsabilidades e ofertas que nos competem enquanto executores de uma política setorial específica. O enfrentamento e superação das vulnerabilidades sociais, em assentido amplo, só é possível pela ação conjugada de diferentes políticas. Ou seja, para diferentes fatores de vulnerabilidade, serão necessárias ações de diferentes políticas. Nesse sentido, se faz necessário distinguir as informações (ou fatores de vulnerabilidade) que caracterizam o contexto mais amplo de vulnerabilidades das populações e territórios e aquelas informações (ou fatores de vulnerabilidade) que dialogam de forma mais direta com a ação específica da assistência social.
Por exemplo: não há dúvida de que a ausência de saneamento básico é um forte fator de vulnerabilidade e que constitui um elemento relevante na caracterização do território, no entanto as medidas necessárias ao enfrentamento e superação deste fator dependem fundamentalmente de ações específicas desenvolvidas pelas áreas de habitação e infraestrutura. Nessa mesma perspectiva, devemos nos perguntar quais os fatores de vulnerabilidade cujo enfrentamento e superação requerem, fundamentalmente, ações específicas da política de assistência social, ou seja, ações de responsabilidade própria dos serviços, programas e projetos que nos cabe executar, ou dito de outra forma, ações garantidoras das seguranças e proteções que, segundo a LOAS e a PNAS, nos cabe assegurar.
Por fim, a apropriação do conceito de território, tal como desenvolvido pelo geógrafo Milton Santos, permite compreender a forma como as relações sociais se materializam num dado espaço. O território é muito mais do que a paisagem física ou o perímetro que delimita uma comunidade, bairro ou cidade. O território é o espaço recheado pelas relações sociais passadas e presentes, a forma específica de apropriação e interação com o ambiente físico, as ofertas e as ausências de políticas públicas, as relações políticas e econômicas que o perpassam, os conflitos e os laços de solidariedade nele existentes. Isto significa dizer que, em grande medida, as potencialidades ou vulnerabilidades de uma família ou indivíduo são determinadas pelo território no qual ela está inserida. Como conseqüência desta perspectiva, é necessário que o território em si também seja encarado como objeto de intervenção/atuação da política de Assistência Social, para além das ações desenvolvidas com as famílias e indivíduos.
A atuação sobre o território significa a atuação no plano coletivo, que passa, por um lado, pelo compromisso do poder público com estruturação da oferta de serviços socioassistenciais compatíveis com as necessidades do território, e por outro lado, pelo estabelecimento de vínculos reais entre as equipes de referência dos serviços e os territórios, de forma a desenvolver intervenções que possibilitem a promover na população a “coletivização” na reflexão sobre os problemas, assim como construção das estratégias igualmente coletivas para o enfrentamento ou superação dos mesmos.
1.3 Vigilância de riscos e vulnerabilidades e vigilância dos padrões dos serviços
A análise da adequação entre as necessidades da população e as ofertas dos serviços e benefícios socioassistenciais, vistos na perspectiva do território, deve constituir-se como objeto central e de permanente reflexão da Vigilância Socioassistencial. Esta visão de totalidade, integrando necessidades e ofertas, permite traçar melhores ações e estratégias para prevenção e para redução de agravos, contribuindo para o planejamento, gestão e execução da política de assistência por meio de seus serviços e benefícios, objetivando sempre o fortalecimento da função de proteção social do SUAS.
Os riscos e vulnerabilidades vivenciados por uma determinada população ou grupo social geram necessidades de proteção. Assim, as políticas sociais devem se constituir como respostas do poder público que visem atender as necessidades de proteção decorrentes dos riscos e vulnerabilidades a que estão expostos os cidadãos.
Como vimos, há determinados riscos e vulnerabilidades cujas necessidades de proteção devem ser supridas especificamente pela política de assistência social, de acordo com suas competências e responsabilidades setoriais específicas. As necessidades de proteção cuja responsabilidade de provisão seja de competência da assistência social constituem a demanda potencial por serviços e benefícios no âmbito do SUAS. Nesse sentido, a demanda potencial não se limita de forma alguma à procura cotidiana pelos serviços; deve ser entendida como o volume agregado das necessidades. Para o atendimento destas necessidades, o SUAS deverá ser capaz de organizar (e quando preciso, reorganizar) sua oferta de serviços e benefícios. Pelo lado da oferta, é absolutamente fundamental que esta seja planejada de forma adequada, considerando o volume, o tipo, a localização e a qualidade dos serviços.
Com base nas referências da PNAS e da NOB SUAS 2012, depreende-se que a Vigilância Socioassistencial se organiza a partir de dois eixos que se articulam para produzir a visão de totalidade; são eles: a) a vigilância de riscos e vulnerabilidades; b) a vigilância sobre os padrões dos serviços. A partir destes dois eixos articulam-se, de um lado, as informações relativas às demandas ou necessidades de proteção socioassistencial da população e, de outro lado, as características e distribuição da rede de proteção social instalada para a oferta de serviços e benefícios. A análise da adequação entre as necessidades da população e a oferta dos serviços e benefícios deve, necessariamente, estar baseada nos territórios.
O eixo da vigilância de riscos e vulnerabilidades busca realizar a identificação dessas situações nos territórios, especificando sempre que possível os fatores de vulnerabilidade e os grupos, famílias ou indivíduos afetados por tais fatores. A quantificação da população afetada permite estimar a demanda potencial para o serviço ou benefício que deverá prover a ação protetiva. Se considerarmos, por exemplo, o trabalho infantil (fator de vulnerabilidade), a quantidade de crianças afetadas integra a demanda potencial para o Serviço de Convivência dirigido a essa faixa etária. Da mesma forma, pode-se considerar que crianças de famílias em situação de pobreza (fator de vulnerabilidade) não incluídas em escolas de tempo integral (fator de vulnerabilidade), que residem em territórios com altos índices de violência (fator de vulnerabilidade) e que permanecem parte do dia sem a companhia de um adulto (fator de vulnerabilidade), igualmente compõem a demanda potencial para o Serviço de Convivência.
Estimar com razoável precisão a demanda potencial (ou a quantidade agregada das necessidades) ainda é um grande desafio para a área de assistência social. A dificuldade deriva de uma série de questões, dentre elas, podemos citar as seguintes: a assistência social enquanto política pública de direitos é recente no país; a Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistencias – instrumento normativo que define concretamente as ofertas que competem à área de assistência – só foi instituída em 2009; os dados e informações populacionais disponíveis, embora bastante numerosos, não são suficientes para uma adequada caracterização de aspectos relacionais e sociabilidades, que constituem elementos fundamentais quando lidamos com as necessidades de proteção vinculadas à assistência social; ausência de séries históricas de dados relativos aos atendimentos que possibilitassem instituir parâmetros quantitativos para a procura e para a demanda reprimida.
Apesar das dificuldades acima descritas, é imperativo que a área construa parâmetros para o dimensionamento da demanda. Isto é, sem dúvida, uma responsabilidade e um desafio a ser assumido pela área de Vigilância Socioassistencial. Devemos considerar que mesmo a produção de estimativas aproximadas sobre a demanda já significa um grande avanço, visto que na ausência destas não há qualquer possibilidade de aferir a adequação do nível de oferta.
O caminho a ser trilhado deve se basear na definição, identificação e mensuração de fatores de vulnerabilidades específicos, cujas necessidades de proteção derivadas dialoguem com as provisões dos serviços e benefícios do SUAS. Vale destacar que, ao se estabelecer um determinado parâmetro de estimação da demanda, ainda que este seja imperfeito, torna-se possível analisar de forma comparativa diferentes territórios e perceber de forma mais clara as diferenças existentes entre eles. Também é preciso observar que as estimativas de demanda devem, necessariamente, estar referidas a uma oferta específica, ou seja, não se trata de uma demanda genérica, mas sim, da demanda para um serviço ou benefício específico.
Se por um lado ainda há dificuldades para estimar de maneira precisa e completa a demanda potencial de alguns serviços, por outro, as informações e meios técnicos existentes já permitem quantificar e localizar de forma bastante precisa uma parte das famílias ou indivíduos fortemente afetados por fatores de vulnerabilidade e que devem, em função disso, ser objeto de ações de busca ativa organizadas conjuntamente entre as área de Vigilância e as Proteções Básica e Especial.
Dentro dos limites e dificuldades já mencionados, vale destacar que as bases de dados Cadastro Único de Programas Sociais – CadÚnico –, do Programa Bolsa Família e do Benefício de Prestação Continuada – BPC, além dos dados populacionais produzidos pelo Censo Demográfico do IBGE oferecem possibilidades concretas para produção de estimativas da demanda potencial por serviços e benefícios, que podem eventualmente ser conjugadas com outras informações produzidas pelas próprias equipes nos territórios. Da mesma maneira esse conjunto de dados e informações pode auxiliar desde já a identificação de famílias com alto grau de vulnerabilidade, permitindo concretizar a função de Vigilância Socioassitencial por meio de ações de ações de busca ativa que viabilizem a inclusão desta famílias nos serviços socioassistenciais do SUAS.
O eixo da vigilância de riscos e vulnerabilidades ocupa-se também do monitoramento da incidência das situações de violência e violação de direitos. Esse monitoramento é importante não apenas pelo fato de que esses eventos repercutem sobre a demanda por serviços, mas sobretudo pelo fato de que manifestam graves situações que necessitam ser prevenidas e combatidas. Identificar os territórios com maior incidência, as variações no volume de ocorrências e o perfil das pessoas vitimadas permite aprimorar as ações de prevenção e de combate às situações, além de ações de aprimoramento dos próprios serviços responsáveis pelo atendimento das vítimas. O Brasil ainda carece de normas e procedimentos que possibilitem a produção qualificada de dados e de estatísticas nacionais sobre violências e violações de direitos; nesse sentido torna-se muito importante a construção de diagnósticos locais e o correto e preciso registro e quantificação das situações atendidas na própria rede socioassistencial.
O eixo da vigilância dos padrões dos serviços busca produzir e sistematizar informações referentes à oferta dos serviços e benefícios, de forma a contribuir com o aprimoramento da qualidade dos mesmos e com sua necessária adequação ao perfil de demandas do território. Em grande medida, essas atividades integram o escopo do que tradicionalmente chamamos monitoramento do SUAS e que, com apoio do governo federal, já vêm sendo realizadas por grande número de estados e municípios no país. A Vigilância deve desenvolver estratégias para coletar informações sobre todas as unidades públicas e privadas que ofertam os serviços, benefícios, programas e projetos da assistência social, e especialmente dos CRAS, dos CREAS e das Unidades de Acolhimento. É desejável que os dados coletados junto aos serviços/unidades sejam capazes de aferir: a) a quantidade e perfil dos recursos humanos; b) o tipo e volume dos serviços prestados; c) a observância dos procedimentos essenciais vinculados ao conteúdo do serviço e necessários à sua qualidade; d) o perfil dos usuários atendidos; e) as condições de acesso ao serviço; f) a infraestrutura, equipamentos e materiais existentes.
Iniciativas como o Censo SUAS e a implantação do Registro Mensal de Atendimentos – RMA – têm contribuído para o monitoramento e ajudado a definir e compartilhar conceitos e entendimentos essenciais e para viabilizar a padronização de informações básicas relativas aos serviços socioassistenciais em todo o país. Além da geração de dados e estatísticas municipais, estaduais e nacionais que auxiliam enormemente o planejamento e a gestão do SUAS, esse processo de produção e disseminação de informações também deve contribuir para fomentar reflexões, reorientações e aprimoramentos nos serviços prestados pelas equipes de referência nas diversas Unidades do SUAS.
O fortalecimento e a qualificação da atividade de monitoramento pressupõem a ampliação da capacidade de análise dos dados coletados e a retroalimentação de informações para as Unidades. Reuniões periódicas com equipes dos serviços são extremamente úteis para disseminar e problematizar os resultados das análises, gerando apropriação e aplicação do conhecimento produzido e aprimorando os processos de trabalho das Unidades.
Por outro lado a discussão com as equipes dos serviços retroalimenta com informações a própria Vigilância e amplia sua capacidade de interpretação e análise dos dados. Além do conjunto de informações cuja coleta/registro decorre das pactuações e sistemas nacionais do SUAS, a Vigilância Socioassistencial nos municípios (e estados) deve propor e acordar, em nível local, a coleta de informações complementares, de acordo com as necessidades e estratégias específicas da gestão e dos serviços. Todavia, deve ser evitado o retrabalho e a duplicação de esforços e o excesso de solicitações de para as equipes de referência. Acima de tudo, é necessário que a coleta de informações complementares seja discutida pelos diferentes setores envolvidos, e que as definições sejam fruto de um acordo, e não uma determinação autoritária. A área de Vigilância deve zelar pela de fidedignidade das informações coletadas e inseridas nos sistemas de informação e monitoramento. A qualificação da informação é imprescindível para a estruturação de bases de dados confiáveis que subsidiem o desenvolvimento do SUAS e a melhoria da operacionalização da Política Nacional de Assistência Social (PNAS) em todo o território brasileiro.
1.4 Relação entre Vigilância Socioassistencial e modelo de atenção no SUAS
A Vigilância Socioassistencial possui, necessariamente, o compromisso com a instituição e consolidação de um modelo de atenção que, partindo do reconhecimento e identificação das necessidades da população, aja proativamente para assegurar a oferta e efetivar o acesso das famílias e indivíduos aos serviços socioassistenciais. Tal modelo implica, não apenas o planejamento da oferta com base no diagnóstico da demanda, mas também a instituição da busca ativa como método estratégico de efetivação do acesso, potencializando o caráter preventivo das ações, ou, no mínimo, evitando o agravamento dos danos.
Discutir “modelo de atenção” implica refletir sobre aspectos técnicos e ético-políticos que organizam, ou deveriam organizar, os processos de trabalho no SUAS. Recuperar a importância dos fins, ou dos objetivos, do SUAS e organizar os meios para concretizá-los. Os operadores da política, técnicos e gestores, têm a responsabilidade de materializar no cotidiano a proteção social como direito de cidadania. A reflexão sobe os fluxos e processos de trabalho na gestão e nos serviços nos auxilia a definir com maior clareza o que deve ser feito, como deve ser feito e por quem deve ser feito, mas só faz sentido definir o “que”, o “como” e o “quem” em função do “para que”, ou seja, dos resultados ou dos objetivos a serem atingidos.
E nesse sentido, os objetivos perseguidos no cotidiano, e a materialização do SUAS pela prática de seus operadores, devem estar orientados pela afirmação da ideia de garantia de direitos, não de maneira abstrata, mas como direito efetivo as proteções definidas pela LOAS, pela PNAS e pela Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais.
Por fim, a discussão sobre modelo de atenção deve, também, recuperar o princípio do território como base de organização do SUAS e, a partir dele, a perspectiva de ação em processos coletivos. A compilação de informações e a compreensão qualitativa das diferenças e semelhanças dos distintos territórios que compõem uma mesma cidade (mesmo nos pequenos municípios) é fundamental para a construção de ações que dialoguem com as reais necessidades, expectativas e potencialidades da população local. Gestão, Serviços e Territórios não podem ser ilhas isoladas entre si.